O avanço da tecnologia no setor financeiro tem trazido ganhos substanciais em eficiência, mas também gerado novos pontos de atenção regulatória. Logo na segunda linha deste artigo, Rodrigo Balassiano, especialista em fundos estruturados e infraestrutura de mercado, destaca que custódia digital e DLT (tecnologia de registros distribuídos) impõem desafios jurídicos específicos no cenário brasileiro, especialmente quando aplicadas à guarda de ativos financeiros e documentos sensíveis. A ausência de marcos regulatórios consolidados torna o tema um campo de incertezas para administradores e investidores.

A custódia digital, ao se afastar do modelo tradicional de controle centralizado, adota práticas baseadas em criptografia, blockchain e ambientes digitais altamente integrados. Já a DLT, que permite o compartilhamento de registros de forma imutável e transparente entre participantes, abre espaço para soluções de registro e liquidação mais eficientes, mas também mais complexas sob a ótica jurídica. Em um país onde a regulamentação ainda não acompanha a velocidade das inovações, essas tecnologias passam a depender de interpretações e adaptações que podem gerar insegurança jurídica para fundos e prestadores de serviços.
Custódia digital e DLT: onde esbarram os desafios legais
A aplicação de custódia digital e DLT no mercado financeiro exige que as instituições conciliem inovação com segurança jurídica. Embora a Lei 14.478/22 (Marco Legal das Criptoativos) tenha inaugurado um caminho inicial para o reconhecimento de tecnologias descentralizadas, ela ainda não oferece respostas completas sobre a validade de registros em DLT como comprovação de titularidade, tampouco sobre sua aceitação em processos judiciais ou administrativos. De acordo com Rodrigo Balassiano, essa lacuna exige dos administradores um cuidado redobrado na formalização dos registros e na escolha das plataformas utilizadas.
Além disso, existe o desafio de compatibilizar os sistemas descentralizados com as exigências de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), do Banco Central e da Receita Federal. Em estruturas tradicionais, o custodiante atua como elo confiável entre a documentação física, os ativos digitais e os sistemas de auditoria. Já nas soluções baseadas em DLT, a ausência de um agente central pode dificultar a supervisão contínua e o atendimento às exigências de rastreabilidade, relatórios padronizados e resposta rápida a fiscalizações. Fundos que optam por essa arquitetura devem implementar mecanismos paralelos de compliance, com controles compatíveis aos das estruturas convencionais.
Outro entrave está no próprio conceito de custódia. No ambiente digital, a distinção entre propriedade, posse e controle técnico de um ativo se torna menos evidente. Isso levanta dúvidas sobre a responsabilidade em caso de falhas operacionais, ataques cibernéticos ou divergências entre os registros digitais e os extratos financeiros. Conforme observa Rodrigo Balassiano, a ausência de jurisprudência consolidada torna o processo de alocação de responsabilidades mais frágil, o que pode gerar conflitos entre administradores, gestores e cotistas, especialmente em momentos de estresse de mercado.
Do ponto de vista contratual, os documentos que regem o fundo precisam ser claros quanto à metodologia de custódia digital e ao uso de tecnologias descentralizadas. Regulamentos genéricos, que não especificam os parâmetros de segurança, os direitos dos cotistas e os limites operacionais das plataformas tecnológicas, abrem espaço para disputas jurídicas e para a responsabilização de agentes fiduciários. A transparência, nesse caso, não é apenas uma boa prática de governança, é uma salvaguarda legal em um ambiente ainda carente de regras específicas.
Considerações finais
O uso de custódia digital e DLT representa uma inovação promissora no setor de fundos, mas traz implicações legais que ainda estão sendo mapeadas no Brasil. A integração dessas tecnologias às estruturas de fundos exige preparação jurídica, governança reforçada e adequação contratual minuciosa. Rodrigo Balassiano enfatiza que, embora a modernização seja irreversível, a prudência continua sendo essencial. Fundos que adotam essas soluções com responsabilidade, transparência e embasamento legal poderão usufruir das vantagens da tecnologia sem comprometer a segurança dos investidores nem expor o fundo a riscos jurídicos desnecessários.
Autor: Pall Shnider